Taí um ponto que
mexe com a cabeça de muita gente.
Nós que
treinamos precisamos frequentemente responder à pergunta; "Você está em que faixa?". Para quem não treina, a cor da
faixa representa quase tudo, principalmente nossas capacidades como artistas
marciais. Mas o que realmente significa a faixa?
Historicamente,
e de forma bem sucinta, a faixa ao redor da cintura deixou de ser apenas um
acessório de vestimenta quando Jigoro Kano sistematizou o judô. Desde então,
muitas artes marciais começaram a identificar os níveis de conhecimento com
cores de faixas diferentes. As cores mais utilizadas são: branca, cinza, azul,
amarela, vermelha, alaranjada, verde, roxa, marrom, preta e coral. Além das
cores, que não são padronizadas de forma absoluta em todas as artes, as
graduações ocorrem por níveis (KYU).
"O kyu se inicia com o 10º até chegar
ao 1º, é como se o indivíduo estivesse no 10º subsolo e quando for melhorando o
seu conhecimento ele se aproxima do térreo. Chegando à faixa preta é quando ele
sai do subsolo e começa a subir os andares, assim a graduação da faixa preta
(denominada DAN) é o oposto das outras faixas, começa com o 1º e segue.".
Dentro dessa
escala, por esse conceito, a faixa preta não é sinônimo de plenitude, mas sim o
primeiro estágio de um longo caminho fora das limitações do
"subsolo". Ou seja, é na faixa preta que o praticante inicia os
estudos de desenvolvimento superior.
A faixa mede
mais ou menos 3 metros de comprimento, porque é necessário dar duas voltas ao
redor do corpo, onde a primeira volta simboliza o espírito e a segunda o corpo,
o nó final une as duas voltas e como símbolo de equilíbrio, deve-se deixar as
duas pontas que sobram alinhadas.
Pois bem, a
faixa é um pedaço de tecido sem compartimentos, ou seja, não é possível guardar
nada nela, logo, a faixa não é um depósito de conhecimento.
Não é a faixa
que faz o artista, é o artista que honra a faixa!
E na boa,
ninguém fica de faixa na cintura no dia a dia né?!
Dito isso, (e aqui entra uma parte muito pessoal)
penso que a graduação não é um certificado de conhecimento adquirido e sim a
sinalização de que se está pronto para seguir adiante pelos caminhos do budô
com uma carga maior de capacidades e responsabilidades. Fato; QUANTO MAIOR SUA
GRADUAÇÃO, MAIOR DEVE SER A SUA RESPONSABILIDADE.
De forma mais
simples; se sou 1º dan e recebo uma graduação para 2º, não penso que eu seja 2º
dan a partir desse momento, mas que eu esteja preparado para me tornar um 2º
dan. E repito, essa é uma parte pessoal, é o meu jeito de considerar a
graduação, pois assim eu minimizo a pressão por entender que não preciso
demonstrar capacidades que eu ainda não tenho, mas que devo me empenhar nos
treinos para conquistá-las. Dessa forma, eu não sofro com aquelas sabotagens
pessoais que citei no texto anterior.
Mas sim, é muito
bom olhar pra baixo e ver a faixa preta na cintura. É saudável sentir orgulho
disso, mas veja bem, não é uma questão de se "achar o foda", mas sim de reconhecer todo o percurso que foi necessário para se chegar até ali. É
orgulho, não apego!
Na minha
opinião, cada faixa deve ser honrada com o mais profundo prestígio, pois cada
graduação significa conquista e reconhecimento dos esforços, empenho e
constância. E ainda na minha opinião, a mais importante é a faixa branca, pois
ela representa decisão; decido começar e a partir daqui decido continuar. Como
disse Pitágoras "o começo é a metade
do todo".
Infelizmente,
INFELIZMENTE MESMO, existe praticantes que valorizam a graduação como um status
social suficientemente capaz de completar suas deficiências como pessoas. Para
esses, não importa o conteúdo, nem as capacidades, nem o desenvolvimento, tudo
se resume ao nível da graduação. São capazes de realizar ações medíocres e
patéticas, mudam suas personalidades, suas verdades, arrebanham-se como ovelhas
míopes e vangloriam-se das ilusões que tomam como realidade mesmo quando em
seus íntimos são capazes de reconhecer suas fraquezas.
Essas pessoas
são fundamentais para arte. Elas são o equilíbrio, a referência do que não se
tornar. Considero muito importante ser capaz de identificar esses praticantes
para que eles sirvam de parâmetro e para evitar que deles possam surgir
qualquer atrativo para meu espírito, ou qualquer sentimento de injustiça por
vê-los subir com tamanha facilidade. Existem três características que definem
bem essas pessoas:
1 - O nível de
graduação é incompatível com o tempo de treino.
2 - São
apaixonados por um tipo ridículo de hierarquia (hierarquia em tempos de paz não faz sentido algum), ficam juntos,
não treinam com menos graduados e estão sempre bajulando os mais graduados - falta-lhes
o respeito e a ética que citei anteriormente - e são descarados o suficiente
para solicitarem graduação (quem pede
para ser graduado se avalia por influência do ego que está sempre cheio de
caprichos oferecendo argumentos de merecimento).
3 - São
praticantes, não são artistas. Podem decorar milhares de nomes, referências, conceitos,
mas são apenas pessoas com boa memória. Têm uma técnica rígida, quadrada, sem
fluidez. Quando encontram resistência, escolhem a força, pois sentem-se
desafiados e pela falta de técnica, preferem ferir o outro ao invés de
praticarem mais. Adotam trejeitos, algo que simboliza a ausência de compreensão
do movimento por terem se apressado em busca de mais conteúdo teórico, e por
isso estão sempre com algum espasmo - movimento inútil - deixando a técnica
feia e com pontos sobressalentes que só servem para desviar a atenção. É impossível
sentir a arte neles, pois falta-lhes o espirito marcial.
Se seu objetivo
é ter uma faixa preta na cintura, compre uma e use como um acessório de
vestimenta. Mas se o seu objetivo é merecer uma graduação, a receita é simples;
treine, treine e treine mais.
Não faça da
graduação o seu combustível, deixe que ela seja o que ela de fato é; uma placa
no caminho; serve apenas para informar, nada mais.
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