Nós estamos
sempre falando do feeling, da intenção, da postura e do desenvolvimento
subjetivo. Temos claramente a importância de se controlar os impulsos e as
emoções para que sejamos eficazes. Sabemos que a paciência e a perseverança são
fundamentais nessa longa jornada de aprimoramento, mas e quanto a aprendizagem
prática?
Ainda que
estudemos princípios filosóficos respaldados em uma disciplina marcial que
automaticamente desencadeiam noções incontroláveis, porém benéficas, não
podemos deixar de lado a parte racional do processo. Afinal, mais de 90% do que
temos acesso como conteúdo de referência foi elaborado justamente para que
através da nossa capacidade racional, possamos despertar em nós aquilo que não
pode ser simplesmente "praticado". Ou seja, 90% do nosso material de
estudo é uma ferramenta de desbloqueio de potencial. Um desbloqueio que deve
ocorrer física e mentalmente.
Uma das grandes
questões que surge na mente de todos os iniciantes na prática das artes
marciais é: isso vai funcionar?
Esse questionamento
é absolutamente natural e eu diria até que é fundamental para nosso
desenvolvimento. Não podemos pensar que após uma semana de treino já estamos
prontos para um enfrentamento direto.
Os primeiros
estágios do processo não servem para nos deixar aptos para o conflito e sim
para nos preparar para o verdadeiro propósito da arte. Esses primeiros estágios
precisam ser racionalizados, pois é a razão que leva informação para a
consciência.
Todo tipo de
aprendizado surge através da prática de "exercícios" específicos para
o resultado proposto. Se a informação não chegar até a consciência, não houve
aprendizado.
Aprender
significa inserir uma nova capacidade. Mas inserir onde? Em que parte do
indivíduo a técnica deve ser inserida?
No início do
treinamento, toda técnica serve para ensinar o corpo a se mover de forma
adequada contra uma situação específica. Assim que os movimentos são aprendidos,
a informação vai direto para a consciência e nossa mente tende a transformar
nossa movimentação em algo cada vez mais fluido e natural. Trata-se de uma
"manobra" natural da nossa mente para que sejamos mais produtivos ao
economizar energia e mais protetivos para evitar lesões. É por isso que depois
de repetir o mesmo movimento, ou sequência de movimentos muitas vezes, realizamos
a técnica com mais facilidade. Quanto mais praticamos a mesma técnica, mais
fluída ela se torna até que o movimento inteiro se torne tão natural que passe
a existir "tempo" para observar detalhes que possam contribuir com
nosso desenvolvimento.
É simples; depois de algumas repetições, não é
mais necessário acessar a memória para fazer a sequência de movimentos, não
precisamos mais dedicar toda nossa atenção para cada estágio da técnica e isso
nos permite aprimorar o que estamos fazendo. E isso só acontece por que
racionalizamos o processo.
Quando treinamos
uma segunda técnica, o processo de aprendizagem se repete, mas agora já
possuímos a informação da técnica anterior e isso acelera nosso aprendizado,
pois existe respaldo do que já foi adquirido. E assim se segue para as próximas
técnicas e todo treinamento. A isso damos o nome de "refinamento".
Então pense
nisso; depois de algum tempo de treino seu corpo já aprendeu uma série de
movimentos técnicos e sua mente já é capaz de mapeá-los de forma fluída e
eficiente, você está pronto para o combate?
Não!
Você possui mais
agilidade, um reflexo melhor, uma gama de movimentos de defesa e evasão, mas
tudo ainda é apenas resposta ao estímulo específico. Você só consegue realizar
tudo que foi aprendido dentro de um cenário controlado onde você sabe qual será
o movimento de ataque. Algo que não acontece em uma situação real.
Quer saber
quando seu aprendizado será suficiente para se defender em uma situação real?
Quando aquele questionamento inicial não existir mais na sua mente. Enquanto
você se perguntar se vai funcionar, a resposta será sempre não.
Então um
iniciante pode perguntar; qual é o propósito de treinar então?
Lembra quando
você estava aprendendo a fórmula de Bhaskara e se perguntava "quando é que
eu vou usar isso na minha vida?", é a mesma coisa. Você não aprendeu
aquela fórmula para usar no cotidiano, mas para desenvolver uma capacidade de
raciocínio. Tudo que você aprende inicialmente funciona como um alicerce para
suportar capacidades futuras.
Os primeiros
estágios do treinamento são para o corpo e para mente, e, servem apenas como
uma construção capaz de abrigar da forma correta as lições que virão a seguir.
Quanto maior o empenho em se aprimorar nessa etapa, melhores e mais fortes
serão as estruturas base do desenvolvimento futuro. Postura firme, movimentos
precisos, reflexos aguçados... Tudo isso colabora de forma imprescindível para
o que virá depois e essas etapas precisam ser racionalizadas para que se tornem
parte de você. Para que sejam inseridas de forma tão profunda em sua
consciência, que quando forem necessárias serão espontâneas e fluidas.
Os estágios
posteriores do treinamento irão despertar noções que não poderão ser
racionalizadas, mas para que isso aconteça é necessário que você seja capaz de
contar com uma movimentação física quase que automática para que os seus
sentidos possam ser ativados em máxima intensidade sem distrações, como um pé
mal posicionado por exemplo.
Por isso a
sugestão é; se você está se questionando sobre a funcionalidade da técnica,
tenha paciência, você ainda está aprendendo e isso é ótimo, pois faz parte de
um processo extraordinário.
Observe a imagem abaixo. Tentei criar um diagrama que represente o que estou tentando
compartilhar aqui. Lembre-se, o assunto aqui é a técnica, não a arte.
A primeira
figura simboliza nossa absorção inicial da técnica; partes definidas, porém
desconectadas. Nós aprendemos parte por parte de uma sequência de movimentos.
A segunda figura
simboliza o estágio de conexão das partes; é quando nossa mente e nosso corpo
assimilam a sequência de movimentos como algo único e completo. As terceira e
quarta figuras representam nossos primeiros refinamentos que se completa na
quinta figura. A fluidez de um círculo perfeito; a harmonia entre o praticante
e a técnica.
A sexta figura
simboliza o início de nossa real compreensão do que é e para que serve a
técnica. A sétima e oitava representam a grande transformação. A nona figura
simboliza a compreensão de tudo o que foi absorvido. E por fim, a décima figura
que representa o que eu acredito ser o verdadeiro objetivo da técnica dentro da
arte.
Quanto tempo
cada estágio leva para acontecer?
Quem sabe?! Vai
de cada um.
O
desenvolvimento é um resultado que acontece na exata medida do seu empenho.
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