Sempre que
palavras e termos japoneses são traduzidos, é necessário considerar o que está
relacionado com a palavra ou termo para que a tradução faça sentido. No
entanto, para seguir o princípio desse espaço, vou manter a subjetividade e
deixar a tradução literal fora de contexto e interpretar a palavra Kamae como
"postura".
Interpreto como
postura e não como posição pelo fato de que posições são estacionamentos
físicos determinados de forma absoluta e prática, já postura, é um termo que
abrange todo o indivíduo podendo ser físico e mental ao mesmo tempo ou
separadamente.
No início do
treinamento, o Kamae surge como uma postura adaptável que serve como primeira
base para a execução de uma técnica (kata). Conforme vamos nos desenvolvendo,
compreendemos que tais posturas nos servem como parâmetro de aprendizado, mas
que não são obrigatoriamente o start da execução de uma técnica. É
perfeitamente possível realizar um ichimonji-no-kata sem partir de
ichimonji-no-kamae por exemplo. Essa percepção pode ser facilmente comprovada
quando assumimos a postura de shizen-no-kamae e percebemos que apesar da
semelhança física e da tradução (posição natural) não se trata de ficar
simplesmente parado e relaxado como quem para um momento para pensar na vida,
pelo contrário, trata-se de uma postura de alerta e prontidão que pode ser
usada para defesa ou ataque.
Por ser uma
postura, o Kamae pode funcionar como um upgrade bastante útil em nosso
cotidiano. O próprio shizen-no-kamae é extremamente aproveitável dentro de um
metrô lotado por exemplo; para estar em shizen-no-kamae é necessário flexionar levemente
os joelhos e isso não só deixa os músculos das pernas acionados para alguma
ação, como também nos oferece um tanto mais de equilíbrio, logo, dentro de um
metrô onde é necessário respeitar o espaço alheio estando de pé no corredor
enquanto a inércia tende a nos mover com grande frequência, shizen-no-kamae é
uma postura excelente.
Esse tipo de
expansão reforça a ideia de que a arte nos acompanha sempre e é realmente muito
proveitoso quando somos capazes de criar esse tipo de adaptação prática.
É natural que
por algum tempo tenhamos menos interesse pelo kamae e mais apreço pelo kata,
visto que a técnica é uma forma perceptível de ação e treino, mas penso que o
Kamae é uma das partes mais importantes do treinamento. E penso assim por
compreender que entre cada movimento, mesmo que por milésimos de segundo,
dentro da transição o que existe é um kamae, uma postura. Treinar o Kamae,
observar os detalhes, os ângulos, as distâncias, as possibilidades e
limitações, tudo isso serve para reforçar nosso entendimento sobre cada etapa
do processo de desenvolvimento, mesmo que etapas minúsculas, quase
imperceptíveis, mas que são presentes e fundamentais. O Kamae é o primeiro e
provavelmente o mais importante indicativo de desenvolvimento, pois para a
execução precisa de um kata, é necessário uma postura igualmente precisa.
Quanto mais refinada for o nosso kamae, mais eficaz e proveitosa será nossa
postura dentro da arte.
É bem verdade
que a prática do kamae pode ser dolorosa e cansativa. As vezes precisamos
forçar músculos que usamos pouco, deixar o peso apoiado em partes do corpo que
geralmente não recebem tanta pressão, tencionar partes sensíveis... Cansa. Mas
pense no seguinte; nós temos um corpo capaz de realizar movimentos incríveis.
Quando somos crianças, nossas articulação e músculos parecem ser de borracha.
Conforme vamos crescendo e adotando uma série de movimentos básicos por
necessidade natural, toda aquela flexibilidade vai se perdendo. Sendo assim,
quando treinamos um Kamae que nos causa dor, não estamos inserindo uma postura
física simplesmente, estamos recondicionando nossa capacidade de movimento.
Quanto mais treinamos, mais rápido são os processos, e lembre-se, a dor é
passageira, o aprendizado é eterno.
Ganbatte.
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